Menino e o ateu, O
Poesias EspĂ­ritas
O MENINO E O ATEU46
(Sociedade Espírita Africana – Médium: Srta. O...)
Um belo ser, ateu se proclamando,
Passeava um dia ao lado de um rapaz
Às margens de um regato, às quais sombreando,
De um sol forte os livravam vegetais.

Ao ver jorrar água tão pura,
Diz ao jovem seu sábio companheiro:
Aonde pensas tu que porventura
Vai conduzir-lhe o curso o vale inteiro?

Responde-lhe o rapaz: Talvez um lago
De suas águas ganhe-lhe o tributo,
Que ao término de esforço amargo e vago
De todos os riachos é o fim bruto.”

Pobre criança! O mestre diz, sorrindo,
Como enganado está teu ser;
Aprende, pois, tudo no mundo é findo,
Tudo se acaba no morrer.

Quando se afasta da nascente,
Onde os filetes vão jorrando,
É para achar seu termo, finalmente,
Para sempre nos mares terminando.

46 Vide nota no número anterior, sobre o Anjo-da-guarda.

É de nós todos essa a dura imagem;
Quando deixamos deste mundo a estada
Eis o que resta então de uma curta passagem,
Nos encontrarmos ante o nada.

Oh! Meu Deus! Diz o moço em desolada voz,
Essa é a verdade, então, tal nossa sorte?
Que! E minha mãe, só somos nós,
Terei tudo perdido em sua morte?

Eu que supunha que sua alma querida
Podia proteger sua criança,
Com ela partilhar as penas desta vida,
Tê-la perto de Deus não é minha esperança?

“Guarda sempre contigo a doce crença.”
Sussurra-lhe o bom anjo com bondade,
Sim, bom menino, a fé te seja imensa,
Sem ela, sobre a Terra, onde a felicidade?

E o tempo se esgotou; correram anos
Nosso sábio afinal desencarnou,
Mantendo-os fiel aos seus loucos enganos,
Creu-se morto a dizer que Deus nunca encontrou.

Quanto ao menino, veio-lhe a velhice
E sem receio recebeu a morte,
Porque mantendo a fé da meninice,
Nas mãos do Eterno Pai lhe redimiu a sorte.

Vede que multidão que ora apressada
Deixa o céu para o vir cá receber;
E de Espíritos bons turma sagrada
Que a um exilado irmão enfim torna a rever.

Mas quem é aquela alma só e triste
Que se esforça afinal por se ocultar?
Do desgraçado sábio é o ser que a tudo assiste
Que tudo vê e não pode aí se misturar.

Foi muito amarga a sua pena,
Por ter a Deus um dia então negado,
Deus lhe surge afinal, não juiz que condena,
Em majestade sublimado.

Oh! quanto pranto por herança
Vieram quebrar dessa alma a empáfia dura!
Ele que outrora rira da esperança
De um pobre rapazelho além da sepultura.

Mas do Senhor a bênção paternal
Não pune para sempre o pecador;
Em breve pois a alma imortal
Devolve à Terra com Amor.

Por sua vez purificada,
Em cujos erros já não cai,
De luz e glória inebriada
Vai repousar aos pés do Eterno Pai.
Assinado: Ducis

A ABÓBORA E A SENSITIVA

Fábula

Dize qual o teu regime, ó pobre sensitiva?
A abóbora indagava a uma pequena flor,
Por que manter-te assim qual se não fosses viva?
Falo-te com muita dor,
A sensibilidade estiola-te; e enfraquece;
Bem antes morrerás do fim desta estação;
Quando, fugindo o sol no horizonte escurece
Murcharem-se verás tuas folhas então:
Um fatal estremecimento
O teu caule percorre ante a brisa a roçar;
Fazendo a crise então chegar;
A vida então é-te um tormento.

E por que tanta pena e tal solicitude?
Seja pois meu exemplo uma terna quietude.
O que se passa em mim, pois não,
Causar-me não me custa a mais leve emoção;
De bem me sustentar faço minha virtude,
Que importa, pois, em meu temperamento,
Os mistérios do céu? – Do dia o esplendor,
Da noite a escuridão, a umidade, o calor
Tudo convém ao meu intento.

Minha forma redonda às vezes, é verdade,
Induz o observador satírico e cruel
Em murmúrio dizer: “A abóbora é nulidade!
Porém tal trato não me é fel;
Sobre o meu leito nutro-me e, em riso, me rolo
Para inveja causar, pousando sobre o solo,
Meu grosso ventre e amplidão.

Os gostos, diz a flor, bem diferentes são;
Tu queres consagrar-te ao gozo, à vida em féria,
Ao bem-estar só da matéria;
Creio fazer melhor, vejas bem, neste instante,
Em abreviar minha existência,
Me consagrando à excelência,
Do sentimento bom, da inteligência,
Terei vivido assim bastante.

Dombre (De Marmande)
R.E. , outubro de 1862, p. 425